sábado, 2 de março de 2013

Os cobradores de ''chapa'' em Maputo

Essas latas têm uma particularidade. São ambulantes. Movem-se no espaço e no tempo. Mas não respeitam muito o espaço nem o tempo. Nunca enchem pois os ingredientes principais da conserva são passageiros, que se vão substituindo um ao outro subindo e descendo. Os seus movimentos podem mudar de direcção e sentido a qualquer momento, desde que os dois primeiros humanos que nela entram na aurora e a abandonam quando o sol mostra as suas costas, que não iluminam a terra, tomem decisão.                                          

Não precisa consultar os outros que entram depois em cada paragem. É só mandar descer os que reclamarem e levar os outros. O tempo de partida e de chegada ao destino depende também dos dois primeiros. Ninguém deve estar com pressa e ninguém tem o direito de reclamar o que quer que seja lá dentro. Ou lá fora quando o chapa estiver em andamento.

- Senhor, não me pisa.                                          

- Haaaaa… você não vês que isso aqui é chapa?

- E depois, se é chapa é preciso me pisar os sapatos que acabo de comprar?

- Senhora, se não queres ser pisado, compra o teu carro.

Mais uma evidência: Essas latas ambulantes realizam os seus movimentos a alta velocidade e com música ao som de estoirar os tímpanos. O cobrador sempre com a cabeça fora, grita o destino do chapa como se isso não estivesse escrito no vidro para-brisas do autocarro.

– Paragem. Vou descer na próxima paragem, cobrador. – dizia uma senhora gritando em silêncio em relação ao barulho provocado pelo estrondo permanente da música.

Vendo que o chapa já tinha passado duas paragens sem parar:

– Alguém está a dizer paragem. – Gritou um senhor com um tom de voz que acompanhava o ritmo da música.

– Paragem a seguir, seu mestre. – gritou o cobrador batendo fortemente na porta do carro.

O motorista accionou os freios.

– Você cobrador, eu disse paragem há muito tempo. Porquê não paraste ali? Não vou pagar porque tenho que subir outro chapa para voltar. – dizia a senhora furiosa.

– Esse chapa não é da tua casa, ouviste senhora? Se não quereres mais subir esse carro é melhor dizeres mas tens que pagar aqui. Eu perguntei se alguém ia descer você não disseste nada. Agora que chegaste onde ias tens boca hein…

A senhora pagou o devido valor e dirigiu-se rumo à outra paragem de volta e o cobrador arrancou o chapa dizendo – A paragem a seguir não vou parar porque não é paragem e tem polícia ali.

– Chiiii, cobrador, eu quero descer porque normalmente vocês param ali quando for para carregar. Agora que é para descer não aceitas…

– Senhor, é para eu fazer o quê? O cem conto que vou dar ao polícia é mais que o cinco conto que você vais pagar.

Estava naquele momento na dita paragem uma pessoa balanceando o braço como sinal de querer viajar.

– Leva esse, seu mestre. – gritou o cobrador acrescentando – Você que querias descer, vamos fazer jogo rápido ai. Desce para subir o outro.

Quando o chapa parou naquele lugar impróprio, vinha um camião cavalo carregado de lingotes dum metal muito pesado. O camião passou por cima da latinha.

Minutos depois, a latinha foi recolhida, sem se ter extraído o seu conteúdo, para uma das lixeiras usadas pela polícia daquela cidade. Foi lá que apanhei a latinha da marca ‘‘Ten years’’ e descobri logo que havia neste país conservas de carne humana.

Um dos leitores deste texto perguntou-me:

– As pessoas estavam ensardinhadas?

– Não eram sardinhas. Eram pessoas que estavam ''empessoadas''.   

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