É interessante ver a forma de como nós fazemos a reprodução das coisas sem
questionar como elas foram concebidas ou criadas e em que contextos. Vocês já
pararam para pensar sobre por que razão precisamos saudar as pessoas, estudar,
trabalhar, nos casar, ter filhos, ter amigos, etc?
Lembro-me duma anedota que passou e eu ouvi na rádio nos anos 90 do século passado:
Trata-se dum homem mudo que se
encontrava numa paragem de autocarros. Não tendo certeza se aquela era a paragem dos
autocarros que o levariam ao seu destino, dirigiu-se a um outro homem que se
encontrava na mesma paragem e perguntou-lhe usando gestos. Após a resposta
afirmativa, puseram-se a conversar, sempre gesticulando.
Minutos depois, aparece um
outros e entra na conversa também usando gestos, mas sem saber quem era o mudo
dentre os dois.
De repente o mudo apanha o seu
autocarro e vai-se embora. Os dois homens continuaram com a conversa usando
gestos durante muito tempo e finalmente despediram-se. Mas, os encontros tornaram-se
muito frequentes e eles conversavam durante muitas horas, usando gestos.
Eis que um dia um dos conhecidos de um deles observa a nova amizade que se tinha solidificado e diz em grita: - Oh, João! Gostas muito do teu
amigo mudo, hein!!! E os dois respondem ao mesmo tempo e apontando-se o dedo um
ao outro: - O mudo é ele.
Lembrei-me desta anedota quando vi dois indivíduos conversando com gestos
hoje, na baixa da cidade de Maputo. As minhas observações não me permitiram distinguir quem era o mudo e passei. Mas, a questão ainda me incomoda: ‘‘Quem era o mudo entre eles?’’ Será que os dois eram mudos?’’ ou ainda ‘‘Será que havia algum mudo entre eles?’’.
Reconheço que na minha sociedade considera-se que aquele que usa gestos,
não acompanhados da expressão oral articulada, para a comunicação, apresenta uma
anomalia denominada mutismo. É através desta categorização que nós vamos
distinguir o mudo dentre as outras pessoas que apresentem outros tipos de
anomalia.
Contudo, a possibilidade existente de aparecerem indivíduos que apresentem,
à primeira vista, as características anteriormente referidas, não me permitem
deduzir que estou em presença de um mudo conversando com um outro não mudo e
nem de sois mudos conversando.
Para se poder apurar a verdade sobre o que observo, devo reproduzir as
ideias que obtive da minha sociedade e aproximar-me do objecto e abrir bem os
olhos para observá-lo, não? Eis que Durkheim aparece, num dia de sol, e diz-me
que devo ter cuidado pois a observação não se faz de qualquer maneira. Há regras
de observação, sendo a primeira a que considera que devemos observar os factos
sociais como coisas. Concordei com ele, pois entendi que o que ele estava a
dizer não é que os factos sociais eram coisas, mas que devem ser tratados como
coisas e que devo colocar-me distante dessas coisas para poder observá-los com
exterioridade. Entendi, assim, que a distancia de afastamento de que este
sociólogo fala não é sinónimo de distancia física, mas metodológica.
Esse sociólogo é ‘‘maluco’’, sabem? Eu até pensei que ele estivesse a
começar a ficar embriagado porque ele estava a tomar umas cervejas.
Meia hora depois dele ter bebido mais duas, ele afirmou que a consideração dos
factos sociais como coisas não era suficiente para garantir a objectividade. Era
necessário nos afastarmos das pré-noções. Mas, o que é isso de pré-noções? É
para eu fazer de contas que esqueci aquilo que já tinha aprendo com a minha mãe
ou os meus amigos e colegas de escola? Mas, como é que é possível eu afastar-me
daquilo que eu já sei. Não é possível ‘‘des-saber’’
o que eu aprendi e sei. A resposta que ele me deu, foi de que devemos controlar
os nossos conhecimento anteriores, para que não interfiram no objecto que
pretendemos analisar. Assim, não correremos o risco de fazer repetições daquilo
que todo o mundo diz e ‘‘re-diz’’ que
sabe. Entendi e a conversa estava a animar.
Algum tempo de pois apareceu a mulher dele e queria levá-lo para casa, mas
eu pedi para que ele ficasse mais um tempinho, pois eu queria pagar-lhe mais
duas. Ela aceitou porque eu tinha prometido acompanhá-lo até casa mais tarde. E
fiz isso com muito prazer. Quem não gostaria de andar ao lado dum mestre para ter
benefícios do conhecimento científico ou outros privilégios? A esposa dele foi
embora e ele agradeceu-me por ter feito muito bem o meu papel. Afinal ele é que
me tinha pedido para dizer a mulher que eu pagaria as duas cervejas, mas na
verdade o dinheiro era dele. Pagou as duas que e continuamos com a conversa.
Quando a cerveja foi subindo mais um pouco, ouvi o
sociólogo a dizer que devemos procurar definir as coisas de que queremos falar.
Delimitar um campo em que as coisas que pretendemos estudar apresentem as
mesmas características. Assim, entendi que Durkheim queria dizer em outras
palavras que, se eu quiser estudar cães, devo defini-los; Se eu quiser estudar
gatos, devo defini-los; Se eu quiser estudar o casamento, devo defini-lo; Se eu quiser estudar o suicídio (como ele o fez), devo
defini-lo também e assim sucessivamente.
Quando eram duas horas de madrugada, levei Durkheim para
casa e deixei-o sentado na cadeira, com a cabeça sobre a mesa. Tendo voltado
para lá no dia seguinte, a mulher se tinha suicidado. Mas, antes tinha deixado
uma carta que dizia: Suicidei-me porque o meu marido saiu e entrou numa biblioteca
e disseram-me que de lá ele nunca sairia. Mas, esse não era o maior problema. O
pior é saber que ele está lá naquele lugar, mas os estudantes de sociologia
parece não terem gosto pela aprendizagem do que meu marido ensina. Deveriam
aprender a valorizar esse ‘‘velho’’
da ciência sociológica.