terça-feira, 18 de agosto de 2015

A fuga do Tio Guilherme



Eram sete horas quando o tio Guilherme decidiu acordar e fugir para Inhambane.

-     Esses pretos não têm direito ao salário hoje! Mas quem disse que os pretos tinham direitos? Não lhes dou salário e falo com o meu advogado para ver se ele encontra uma legalidade nisso. Os advogados sempre arranjam uma saída. Muito bem sei que não existe uma relação directa entre o direito e a justiça. Mas quem inventou que os pretos deveriam ter contratos? Esse só nos trouxe problemas. Tenho que fugir brevemente. Mas primeiro mando a minha família e depois fujo eu. Eu sou homem e vou tentar enfrentar esses pretos mas que não toquem na minha família.

O tio Guilherme assim o fez. Viajou com a família para Inhambane e voltou sem ela. Da sua viagem trouxe tapioca, cocos, lanho, sura e bolinhos de sura. É isso que identifica os manhembanes?

-          Meu Deus, tenho que suportar as exigências desses pretos. Quem lhes ensinou a fazer e a interpretar as leis? Os contratos para o preto devem ser feitos sem respeitar as leis laborais. As leis laborais devem funcionar apenas para nós e manipulamo-las como quisermos para o nosso próprio benefício. Usamos o nosso poder económico, social, político e cultural para dominar esses gajos. Esses macacos não têm razão e exigem que eu lhes dê salário mensalmente? Isso não tem cabimento! Eles assinaram conscientemente um contrato que dizia que receberiam as suas remunerações um mês sim e um mês não e que durante o período de férias não teriam salário. Esses pretos não pensam mesmo!

Murmurava dessa maneira o tio Guilherme sentado na poltrona virada para a janela com vista ao Oceano Índico. O sol brilhava muito mais para o titio pois a vida corria-lhe muito bem. O sofrimento dos outros era como gotas de ouro que caiam sobre os seu peito inundado de todo o tipo de maldade e (in)justiça individual.
-          Bem, vou difundir uma informação segundo a qual eu saio daqui deste lugar dentro de alguns anos. Mas, esses pés descalços não verão sequer a minha sombra dentro de alguns dias. Que coisa magnífica! Quando meterem o caso no tribunal, eu já não estarei cá.

Ria-se o tio Guilherme ao projectar os seus planos com vista ao alcance do seu sucesso na fuga.

-          Abro a minha garrafa de champagne e dou umas dentadas nesse delicioso queijo. Tudo isso é da minha terra. Que esses pretos fiquem na sua desgraça. Mas também o preto foi sempre desgraçado! Não sou eu que os vou tirar dessa! Eu devo, mas é, afundá-los cada vez mais na desgraça. A desgraça é a casa deles. Se eles dela saírem, há sérios riscos de eles morrerem pois um trabalho e um salário digno não fazem parte do seu habitat.

Dois meses depois, vimos na televisão e nos jornais da praça que o tio Guilherme tinha sido preso no aeroporto por envolvimento em casos de corrupção. No momento da sua detenção, tentou até corromper o ministro do interior convidando-o a almoçar e a tomar uma garrafa de champanhe.

Neste momento não sabemos qual é o paradeiro do querido tio Guilherme, mas sabe-se que ele não está no lugar onde devia – naquele lugar em que ele veria o sol aos quadradinhos. Ele terá conseguido subornar até o Procurador da República? Não se sabe. Sabe-se apenas que ele não está nas celas e nunca lá esteve. Dizem que fugiu num carro da polícia, escoltado por duas motos que exigiam, nas estradas, que os outros automobilistas cedessem passagem.
 
Assim fugiu o tio Guilhermito. E os pretões ficaram na desgraça comendo as poeiras deixadas pela descolagem do avião que transportou o violador das leis para a sua terra.



-          Esses  pretos achavam que me iam pegar mesmo?

Marcos SINATE

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